Ecce Homo


Ler Nietzsche pelos olhos inflamados de Nietzsche. Foi assim que me decidi, agora que chegou o tempo de o ler, relendo-o. Estive pois o fim-de-semana passado com o Ecce Homo. O livro é pequeno mas eu não consigo ler depressa. E Nietzsche é para ser lido devagar, embora se trate de uma escrita que convide à aceleração, pela toada, a exaltação, a poética imanente, significativa até no silêncio, el que anatemizou «a ilusão de acústica de que onde nada se houve nada há».
A vulgaridade convida a desprezá-lo porque ele se expõe ao ridículo com os insólitos títulos de capítulo que, tomados à letra, são a expressão da arrogância, uma insuportável vaidade. Só que não se pode tomá-lo à letra. É uma verdade que a sua própria biografia demonstra quando comparada com a obra, mesmo a mais imprecisa e por mais a mais rigorosa, a escrita por Stefan Zweig, por que o compreendeu, sentindo-o, no seu pulsar errante.
Doente, diminuído, carregado de fantasmas perseguidores e de ânsias frustradas, acossado pela sombra da cegueira, há na sua pessoa tudo menos o Super-Homem que nos trouxe. E assim sucessivamente.
Deixemos pois para depois o porquê de títulos como «porque sou tão sagaz», ou «porque escrevo tão bons livros», que não são ridículos apenas porque são dramáticos, e ensaiemos o capítulo final, a que chamou «Porque sou uma fatalidade», esse tremendo diálogo, que é o pavor de si próprio ante Zaratustra, afinal «Dionísos ante o Crucificado».Assim se encerra a obra.