Candidamente incomensurável


Reli agora o "Cândido" de "Voltaire", porque o vi citado, como causa inspiradora, no livro de memórias de Somerseth Maugham. 
Lembrava-me da figura balofa, de optimismo congénito, do Dr. Pangloss e de pouco mais. Na narrativa, porém, esse é o elemento circunstancial. A essência do escrito prende-se com a filosofia de Leibniz e a lógica causal mais a assunção do mundo como o melhor de todos os possíveis.
Tinha-me fixado em Leibniz, pelos meus vinte e poucos anos, admirando-o menos como o último dos que dominou a ciência do seu tempo, sim ao seguir-lhe a lógica da redução do máximo do entendimento humano ao computável. De há muito que cortei com esse caminho, pagando o preço intelectual dos espinhosos atalhos porque tive de seguir. A filosofia da Razão é mais confortável na sua lógica de congruência ainda que aparente; mas deixa a maioria do mundo por resolver.
De algum modo esta leitura deu-me ao espírito duas grandes noções: a da superlativa importância do problema do Mal - e eis o que o autor de "Servidão Humana" nele encontrou - e momentos de belíssimo e refinado humor: «Fora decidido pela Universidade de Coimbra que o espectáculo de algumas pessoas queimadas em fogo lento, em grande cerimonial, era um meio infalível de impedir a terra de tremer". Eis ante o que se passara em 1775 em Lisboa. E o que, a repetir-se, nos pode tornar o pior dos mundos possíveis.

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